Rock Zanella



Saudades do meu amigo, Rock Zanella. Um poema dele... perfeito!


Love In Sampa


Meu querido

você vai correr pelas ruas deste país

tão imenso, imerso no sol de fim de tarde

tão solitário de São Paulo

Você vai correr como todas as pessoas,

esquecendo de mim e dos romances que leio

em meu quarto abafado,

enquanto ouço os meus cds

e separo filmes orientais

como quem separa flocos de nuvens

e granulados de brigadeiro

E eu vou saber de você

correndo pela cidade no écran do computador

quando abrir um e-mail num dia de menos preguiça,

quando as horas estiverem menos mornas

e as flores da praça em frente ao prédio

sofrerem menos tédio

Enquanto você corre pra um destino qualquer,

pra um destino só seu tão seu e de ninguém mais,

eu vou exercitar o meu desarvorado poético

e namorar o Dandie eclético que imaginei ser

algumas vezes a minha vida inteira

Eu que fui tantas coisas encerradas em mim

que me traduzi em silêncio para que você escutasse

me vejo agora querido no distanciamento

que te leva por aí pelas ruas deste país

E ao soltar os nós das fitas de cetim

que prendem cartas antigas como o destino

prende a vida e os fios luminosos dela

vejo bronzear o tempo que te levou de mim

E como faziam alguns autores femininos

me divirto sozinho aqui rindo de mim

e de todos os Lords elegantes do mundo

e de todas as prostitutas que vi pelas esquinas

e de todos os viajantes solitários que levaram

um amor em retrato nas suas carteiras

Acendo um cigarro querido

e me sirvo de uma dose de cicuta

e como um pedaço de bolo amanhecido com cereja

enquanto São Paulo escurece

sob os reflexos dos faróis e dos postes iluminados

Tem uma mala num canto qualquer da casa,

tem um gato no parapeito de minha janela,

tem uma pintura ócia me olhando da parede,

uma televisão velha que foi dos meus pais

e um perfume teu que ficou na prateleira do banheiro

Estas coisas todas estão aqui

como se não estivessem, como se fossem você

presente-ausente-quebrado-inteiro

ao meu lado respirando e ainda assim distante

A memória de todas estas coisas

vai me esquecer como você vai me esquecer,

como eu também vou me esquecer de todas elas

Vamos todos esquecer querido

que já fomos todas estas coisas um dia

que já fomos a dançarina de um salão cabriolet

que já fomos os marinheiros e as suas naus

que já fomos os soldados e as amantes deles

Vamos esquecer e esquecer e esquecer

desta vida que vai e que vem

e que quase não deixa rastro

por entre os caminhos de dois túmulos

Vamos esquecer dos retratos que tiramos

do parque onde nos conhecemos

das promessas dos beijos das alucinações

dos versos que nunca trocamos

da praia de um janeiro de quando você tinha vinte anos

Porque o destino

de todas as coisas é esquecer

e ser imortal no gastar da memória das coisas que amam

das coisas que são, das coisas que se perdem

a correr pelas ruas da cidade

Como um país que enlouquece

como São Paulo que se esquece e te leva

cada vez mais longe de mim


“LOVE IN SAMPA”

(Rock Zanella, 13 de janeiro de 2006).

Esse que segue, eu escrevi em homenagem ao dele:


“Li.. Li e reli

Uma incisão com um objeto perfuro-cortante

Poderia ser em Belém, em Paris ou Assunção

Tudo estaria ali do mesmo jeito... o gato, a mala, as luzes, as flores...

O sentimento seria o mesmo... a perda é a mesma, a mesma ilusão...

Acho que esquecer é como exercitar um músculo

É plantar uma erva daninha num jardim... pra ver se as flores morrem...

Por que não arranca-las então?

É mais fácil...

O problema na verdade são as borboletas de Mário Quintana

Em que flores elas vão pousar?”

(TRIBUTO A LOVE IN SAMPA)..


SOUNDTRACK: d-_-b *Groaning the blues* {Eric Clapton}

1 comentários:

  Vanessa Ricarte

19 de junho de 2008 às 13:26

Nossa, esse poema é tudo de bom! Adoro essa nosso amigo Rock Zanella! Já nos divertimos horrores nessa vida, quando conseguíamos nos reunir. Saudades Rock! Parabéns pelo post e pela homenagem Fá. Bjo!